João Pedro Simão | 14/11/2018
“A inflação é sempre um fenômeno monetário.”
Entender o papel do Banco Central é essencial para uma melhor compreensão do funcionamento da economia em geral. São decisões tomadas pelo Banco Central que determinam a taxa básica de juros de uma economia (que por sua vez determinam a rentabilidade de grande parte dos títulos de renda fixa no mercado), protegem a moeda de ataques especulativos e definem a quantidade de papel moeda em circulação. Ou seja, nossas vidas são diretamente afetadas por decisões dessa instituição. O objetivo desse artigo é explicar de forma clara o papel do Banco Central Brasileiro sobre a economia, abordando seus objetivos, funções e a importância de seu caráter de independência.
Um pouco de história
O processo de criação do Banco Central Brasileiro se deu de forma longa e gradual. Desde antes do início do século XX, já se tinha a consciência, no Brasil, da necessidade de se criar um “banco dos bancos”, que pudesse emitir papel-moeda com exclusividade, além de exercer o papel de banqueiro do Estado.
Em 1694, com a criação da Casa da Moeda, observava-se a necessidade de uma instituição financeira que organizasse o setor. Quando o príncipe regente de Portugal, D. João, desembarcou no Brasil colônia, em 1808, já se tinha a ideia de se criar um banco com funções de banco central e banco comercial. A criação do Banco do Brasil no mesmo ano buscava suprir essa necessidade.
O Banco do Brasil exercia, incialmente, a função de um banco central misto. Era seu papel ser um banco de depósitos, desconto e emissão de moeda. Além disso desempenhava as funções de banco do governo, mediante o controle das operações de comércio exterior, o recebimento dos depósitos compulsórios e voluntários dos bancos comerciais e a execução de operações de câmbio em nome de empresas públicas e do Tesouro Nacional. Basicamente, foi esse duplo papel exercido pelo Banco do Brasil que causou a longa demora até a criação de um legítimo Banco Central Brasileiro.
Os anos mostraram ao Brasil que era necessário possuir um sistema capaz de acompanhar as evoluções econômicas que se observavam no mundo. Em dezembro de 1964, cria-se o Banco Central do Brasil. Após a criação do Banco Central buscou-se dotar a instituição de mecanismos voltados para o desempenho do papel de "banco dos bancos". Em 1985 houve a separação das contas e das funções do Banco Central, Banco do Brasil e Tesouro. Sediado hoje em Brasília (DF), as primeiras sedes do BC localizavam-se na cidade do Rio de Janeiro. Hoje, é a principal instituição financeira do país.
O que é o Banco Central?
O Banco Central do Brasil, é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Fazenda. O conceito de autarquia pode ser entendido como um serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios para executar atividades típicas de Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. Logo, compreende-se o Banco Central como uma autarquia integrante do sistema financeiro de um país ou comunidade de países. Considerado como o “Banco dos Bancos” e principal instituição do sistema financeiro, o Banco Central tem como papel, à grosso modo, a suavização dos ciclos econômicos.
O Banco Central do Brasil (BC) é o responsável pelo controle da inflação no país. Ele atua para regular a quantidade de moeda na economia que permita a estabilidade de preços. Suas atividades também incluem a preocupação com a estabilidade financeira. Para isso, o BC regula e supervisiona as instituições financeiras. Em outras palavras, a missão do BC do Brasil é “Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente.”.
Diferentemente de um banco comercial, o relacionamento financeiro do Banco Central é unicamente com as instituições financeiras. O BACEN, denotação popular da instituição, não é um banco comercial e não oferece empréstimos ou financiamentos, os quais podem ser obtidos com as instituições financeiras.
Para garantir que esses objetivos sejam atingidos, são utilizados diversos instrumentos e mecanismos de política monetária. Por exemplo:
· Emitir papel-moeda e moeda metálica;
· Receber recolhimentos compulsórios e voluntários das instituições financeiras;
· Efetuar operações de compra e venda de títulos públicos federais;
· Exercer o controle de crédito;
· Exercer a fiscalização das instituições financeiras;
· Controlar o fluxo de capitais estrangeiros no país;
Como é a sua estrutura?
Além do presidente, o Banco Central possui 8 áreas subordinadas, cada uma delas, a um diretor. Esses 9 membros, presidente e diretores, compõem a chamada Diretoria Colegiada, que é o órgão máximo do Banco. Os oito diretores são responsáveis pelas seguintes áreas: Administração, Fiscalização, Assuntos Internacionais, Normas e Organização do Sistema Financeiro, Política Econômica e Política Monetária.
Dentre as funções da diretoria, destacam-se:
· Definição e aprovação das orientações e diretrizes estratégicas;
· Elaboração, acompanhamento e regulamentação de questões como as políticas monetária, cambial e de crédito (de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional)
· Aprovação do orçamento do BC;
No Brasil, o Banco Central tem forte vínculo com o Ministério da Fazenda. Os cargos de Presidente e dos diretores são indicados e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação de seus nomes pelo Senado Federal. Consta nos requisitos legais e regimento interno do BACEN que os cargos sejam ocupados por pessoas com “notória capacidade em assuntos econômico-financeiros” e uma “reputação ilibada” – que não tenha envolvimento em escândalos políticos, por exemplo.
Organizada em unidades especiais (centrais e regionais), a estrutura administrativa interna é gerida por seus respectivos diretores e pelo presidente. É função da Secretaria Executiva da Diretoria (SECRE) assessorar os diretores, pautando a troca de informações entre eles e consequentemente agilizando os processos decisórios do Banco. São as Delegacias Regionais que representam o BACEN nos diversos estados do país.
Autonomia do Banco Central
A partir do ano de 1989, diversos bancos centrais do mundo passaram a ser autônomos ou independentes. Independência e autonomia do BC referem-se ao grau de liberdade que a instituição detém para tomar as medidas necessárias para atingir seus objetivos. Na grande maioria dos países que perseguem uma meta de inflação, a independência do Banco Central é uma característica em comum. De acordo com a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma autoridade monetária independente é essencial para proteger a instituição de possíveis interferências políticas no futuro. Hoje, no Brasil, existe um acordo verbal de que os diretores e o presidente do BC possuem autonomia para tomar decisões de política monetária.
O BACEN tem sua principal meta – “Meta de Inflação” – estabelecida externamente por um conselho – o Conselho Monetário Nacional (CMN), que é constituído pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento e presidente do BC. Legalmente, o BC não possui autonomia estabelecida, mas atua como se tivesse desde meados da década de 1990.
O Federal Reserve (FED), banco central americano, tem condução autônoma da política monetária dos EUA, com mandatos definidos e sem subordinação ao Poder Executivo - a coordenação é possível, e até desejável, em algumas ocasiões, como na crise de 2007-2008, quando ambos FED e secretaria do tesouro americano trabalharam juntos.
No modelo americano, o FED é um sistema composto por 12 bancos regionais subordinados à política definida por uma diretoria central (“board of governors”) em Washington, indicada pelo presidente dos EUA e aprovada pelo Senado. É papel da Casa Branca apontar entre eles quem serão o presidente e o vice-presidente da instituição, que têm mandatos, nestas funções, de quatro anos, renováveis. Diferentemente do BACEN, o FED não persegue explicitamente uma meta de inflação. Apesar disso, é sabido que a taxa de inflação implícita pela qual o Banco Central dos EUA zela por é por volta de 2-2,5%. Somente por má conduta, crimes e ofensas graves, em votação que requer maioria qualificada do Senado, que membros da diretoria geral do FED podem ser retirados de seus cargos.
Já o Banco Central Europeu (ECB), considerado como banco central mais independente do mundo, é responsável pela execução da política monetária dos 18 países da zona do euro. Criado em 1998, o conselho, composto pelos seis membros da comissão executiva (o presidente do BCE, o vice e outros quatro diretores, todos escolhidos por maioria qualificada e nomeados pelo Conselho Europeu) é seu principal órgão de decisão. As deliberações também são por maioria qualificada. As atas das reuniões não são publicadas, mas as decisões de política monetária são explicadas em uma entrevista à imprensa, logo depois da primeira reunião de cada mês.
Apesar de tudo indicar que um banco central independente tende a ser a escolha ótima para um sistema financeiro estável, existem ainda hoje bancos centrais que são fortemente influenciados por decisões políticas, originadas fora da instituição. O Banco Central da Turquia é um exemplo claro desse fenômeno. Notoriamente conhecido pela sua oposição ao aumento da taxa de juros, Tayyip Erdogan (atual presidente turco), é considerado responsável por uma das maiores crises financeiras já enfrentadas pelo país. Devido a preocupações em relação à interferência de Erdogan na política monetária, e combinando isso ao agravamento da crise entre EUA e Turquia, a lira turca chegou a ter uma desvalorização de 40% perante ao dólar no segundo semestre de 2018.
Voltando para o Brasil, há hoje mais de um projeto em tramitação no congresso, com propostas relacionadas a oficialização da independência do Banco Central Brasileiro. A proposta em si, é transformar esse compromisso (hoje verbalizado) em lei, dando total autonomia e poder à diretoria para a condução de políticas monetárias.
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