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O Mercado de Carbono

Felipe Dalcomuni e Pedro Arthur Bevilaqua


“Turbulência durante voos aumentou por conta do aquecimento global, diz pesquisa”

“Níveis de gelo da Antártida sofrem ‘diminuição maciça’, mostram dados”

“Cientistas dizem que 2023 pode ser ano mais quente já registrado”

- CNN Brasil


Figura 1: Diminuição nos níveis de gelo na Antártida


Essas e outras manchetes, mais ou tão alarmantes quanto, vêm aparecendo em mais e mais notícias, tendendo a se tornar progressivamente mais comuns, caso nada seja feito. E o que todas têm em comum? De uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, todas elas estão ligadas à emissão de gases do efeito estufa, mais notadamente, o CO2.


Em vista disso e em meio a mudanças de mentalidade, as pressões ambientais têm entrado cada vez mais em pautas de discussão do mercado, o que deu grande notoriedade a um setor em específico intrinsecamente inserido nesse meio: o mercado de crédito de carbono.


Figura 2: Fazenda de preservação em Florianópolis


HISTÓRIA DO MERCADO DE CRÉDITO DE CARBONO


Primeiramente introduzido no ano de 1997, durante a idealização do Protocolo de Kyoto, o mercado de crédito de carbono surgiu como uma forma de países desenvolvidos atingirem suas metas de redução de emissão de gases, a partir de uma forma de outsourcing dessa operação. Com limites de emissão estabelecidos para cada país, os subdesenvolvidos tinham a responsabilidade da efetiva redução, para que os desenvolvidos pudessem comprar o direito de CO2 representado pela diferença entre os limites dos países subdesenvolvidos e sua real emissão.


A redução nesses países ocorria por meio de projetos, conhecidos como Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDLs), que emitiam Créditos de Redução de Emissão (CERs), equivalentes a 1 tonelada de CO2, para serem vendidos aos países desenvolvidos. Os CERs passaram a também poder ser negociados para financiar tais projetos de redução, não somente por países mas também por empresas a partir da criação do mercado internacional de carbono.


Mesmo com validade de metas de 2005 a 2012, o fim do vigor do Protocolo de Kyoto não impediu o desenvolvimento do mercado de crédito de carbono. Ainda enfrentando desafios como determinação do preço do carbono e regras padronizadas para contabilização das toneladas, o mercado manteve seu crescimento. Tal crescimento veio, em grande parte, sustentado pela manutenção do crescente endurecimento de regras e metas para emissões de carbono, aumentando a demanda por CERs.


O último grande marco para o mercado de carbono foi o Acordo de Paris em 2015, que tornou justamente ainda mais rígidas as metas de redução de CO2 e praticamente sujeitou os países integrantes a fazerem parte do mercado internacional de carbono.


PLAYERS DO MERCADO DE CRÉDITO DE CARBONO


Esclarecendo um pouco melhor o funcionamento e as nomenclaturas do mercado de carbono, tem-se primeiramente o emissor, aquele responsável pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE), que pode se tornar um comprador de créditos, para compensar por suas emissões acima do limite permitido por regulamentações ambientais. No caso do Brasil, por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente. Tais créditos são vendidos em bolsas de carbono, por MDLs ou entidades com margem de sobra para emissão de GEE. Há, por último, agências reguladoras, como a Science Based Targets initiative (SBTi), incumbidas de definir a qualidade e padrões necessários do crédito de carbono.


PRECIFICAÇÃO DO CRÉDITO


Há alguns métodos para a precificação do crédito de carbono, dependendo principalmente de entre quais agentes se realiza a transação. Diferentemente dos mercados comuns, onde o preço é ditado por oferta e demanda de determinado artigo negociado, no mercado de carbono, tal dinâmica apenas ocorre entre países.


No mercado voluntário, entre empresas, podem ocorrer leilões de emissões, pelas quais as companhias disputam, tendo assim oferta limitada de acordo com as metas estabelecidas pelo Governo ou também na forma de negociações diretas entre empresas, acima ou abaixo do limite de GEE, normalmente definindo o preço pelo custo de eliminação de 1 tonelada de carbono da cadeia produtiva somado a algum valor arbitrário para lucro.


ESG E O MERCADO DE CAPTURA DE GEE


Como dito no início, o mercado de carbono ganhou grande notoriedade e se tornou um tópico muito hot, fortemente em razão da nova onda de valorização da ESG, cuja agenda é fortemente promovida por gigantes do mercado como Vanguard e Black Rock. Em razão dessas campanhas, pôde ser vista crescente demanda por investimentos responsáveis e sustentáveis.


Dentre os pilares de Environment, Social e Governance, o mercado de captura de carbono se encaixa facilmente no primeiro. Como principal evidência dessa transformação, pode ser visto no gráfico abaixo o capital movimentado pelo mercado mundial de carbono tendo dado um spike de cerca de US$ 2 bi em 2021 para US$ 95 bi no ano passado.

Gráfico 1: Capital movimentado pelo mercado de carbono (em mi de dólares)

Fonte: Capital Reset


Contrariando todas previsões que antes marcavam tamanha movimentação apenas a partir de 2050, o mercado cresceu de forma muito acentuada e ainda dá sinal de manutenção se depender da força do ESG, que provavelmente entrará como componente core do compliance de várias empresas, como já foi o caso da JGP, no Brasil.


COMERCIALIZAÇÃO DE CRÉDITOS DE CARBONO

Figura 3: Comercialização de créditos de carbono

Fonte: SEBRAE


Haja visto anteriormente, um crédito de carbono representa uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida ou foi removida da atmosfera. Ou seja, caso uma empresa tenha dificuldades em cumprir com as normas relacionadas à emissão de GEE, ela pode recorrer ao mercado de carbono e comprar créditos para se manter dentro dos padrões requisitados pelos órgãos regulatórios.


Esse mercado também pode ser bastante positivo para países que tenham reduzida emissão de CO2, os quais podem gerar créditos e comercializá-los, servindo como uma fonte de renda.


Existem duas formas principais de negociar créditos de carbono. A primeira é o mercado regulatório, do qual as empresas são obrigadas a participar. É usada a regulamentação de cap-and-trade, o que significa que países assumem compromissos nos quais são estabelecidos limites máximos de emissões para as empresas e, a partir disso, podem comprar e vender permissões (créditos). O teto de cada companhia é definido de acordo com o mercado em que ela atua e sua escala de produção. Aquelas que produzem menos emissões do que o número de créditos disponibilizados ficam com um excedente de créditos de carbono.


Figura 4: Mercado de Cap-and-Trade

Fonte: Legal Planet Org


O segundo mercado é o voluntário, no qual empresas e indivíduos compram créditos para compensar suas emissões de carbono. Essa forma de mercado é opcional, de modo que o crédito de carbono pode ser adquirido de forma voluntária por qualquer país ou empresa interessada em reduzir a emissão de CO2.

INVESTINDO NO MERCADO DE CARBONO NA PRÁTICA

Negociações de compra e venda de créditos de carbono acontecem nas bolsas dos Estados Unidos e da Europa, por meio de ETFs (fundos de índices) que replicam um índice composto de contratos futuros de créditos de carbono. Esse investimento já pode ser feito via tokens, COEs (Certificados de Operações Estruturadas) e fundos de investimento.


O token é uma espécie de criptomoeda que representa um certificado digital, atrelado a um crédito de carbono. Isso está sendo utilizado não só para lucrar com a transação, mas também incentivar esse mercado em expansão. Um dos mais famosos é o MCO2 (Moss Carbon Credit), criado por uma iniciativa brasileira. A precificação desse token segue o mercado secundário (segue oferta e demanda).


Enquanto isso, COEs e fundos de investimentos operam somente nos mercados que já seguem plenamente a regulamentação: americano e europeu. Hoje disponíveis no mercado, há algumas opções de fundos como o Trend Carbono Zero FIM, o Vitreo Carbono, o BB Multimercado Carbono e o Safra Direct Carbono, por exemplo. A aplicação mínima é de R$ 0,01 e a maioria possui hedge cambial, ou seja, não há exposição à variação cambial por parte do investidor.


O investimento feito diretamente na bolsa americana, por exemplo, por meio de ETFs, pode ser mais vantajoso - uma vez que - enquanto os produtos internacionais estão sujeitos à uma alíquota de 15% no Brasil, são isentos nos EUA para residentes brasileiros (para valores de até R$35 mil). Dessa forma, dependendo do valor a ser investido, um maior esforço para investir pode ser mais vantajoso.


Já em COEs, as preocupações a se ter são as mesmas de sempre: observar o prazo do investimento (questões de liquidez), as condições de alta do investidor (ganhos travados) e se atentar para o mercado em que se está operando, que ainda é muito novo e - por isso - tem um potencial de valorização para o longo prazo.


NO BRASIL...


Antes de entrar propriamente no caso brasileiro, é importante entender os critérios para o julgamento da qualidade do carbono capturado, o SBTI coloca como principais: duração da permanência do sequestro do carbono e avaliação dos co-benefícios trazidos com a captura.


As duas principais espécies de árvore para longa permanência de sequestro de carbono são as sequoias e os eucaliptos, as quais não estão nem perto de serem abundantes no território nacional. Isso, por si só, já poderia configurar uma qualidade inferior no carbono brasileiro.


E ainda que o país goze de um valor relativamente elevado de co-benefícios sociais trazidos com os projetos, o quadro do comércio de crédito de carbono no Brasil sofre de uma falha muito mais grave do que apenas a qualidade do carbono capturado: sua adicionalidade.


Encarando adicionalidade como uma forma de valor agregado à captura de carbono, essa poderia ser classificada como uma taxa de sequestro de GEE por hectare ou área plantada. E em âmbito nacional, ela é extremamente baixa, isso porque há uma forte falha na contabilização do carbono capturado: grande parte das novas áreas emissoras de crédito de carbono já sofriam baixíssimos índices de desmatamento e não tenderão a receber efeito de novas políticas para maior captura.


De certo modo, pode-se dizer que novos créditos estão sendo vendidos nas corretoras brasileiras sem que haja real ganho de externalidades positivas ambientais. Esse quadro pode se tornar extremamente preocupante, caso órgãos regulatórios internacionais ou ONGs identifiquem esse mecanismo como uma falha de mercado ou até mesmo, uma fraude.


Com isso, o mercado brasileiro poderia estar sujeito a um carbono não reconhecido internacionalmente, prejudicando em níveis inimagináveis o preço do ativo vendido daqui para fora. Não somente isso, porém bolsas de carbono e outras grandes entidades como corretoras também poderão estar sujeitas a processos judiciais internacionais por pressão de lobistas e outros agentes como grupo de ativismo climático.


OUTRAS INFLUÊNCIAS NO MERCADO DE CARBONO


1. Política


Esse mercado se relaciona muito com pautas pró meio ambiente, por ser uma iniciativa para reduzir a emissão excessiva de CO2 na atmosfera, que intensifica o aquecimento global.


Sendo assim, em períodos de governos mais engajados com a proteção do meio ambiente e redução da poluição, o mercado de créditos de carbono atrai mais recursos.


O atual governo Lula - por exemplo - apresentou alguns projetos em defesa dos recursos naturais, o que foi visto com bons olhos. Por outro lado, ao olhar para os dados de 2023, não se observa um progresso importante nessa área de atuação - o desmatamento na Amazônia caiu, mas no Cerrado aumentou. Mesmo com esses obstáculos, a expectativa ainda é positiva acerca dos próximos anos de governo na proteção do meio ambiente.


Dessa forma, ao analisar o cenário político, deve-se tomar bastante cuidado, uma vez que as informações podem ser passadas de formas diferentes de acordo com o viés de cada um. Além disso, é importante olhar para os fatos e não acreditar apenas no que é falado.


2. Guerras e outros conflitos


Figura 5: Conflito armado

Fonte: Unplash / Kevin Schmidt


A Guerra na Ucrânia é um exemplo recente de como esse tipo de conflito pode afetar a emissão de carbono. Foi observada a emissão de 120 milhões de toneladas nos primeiros 12 meses de combate.


Além disso, entre as consequências desse conflito houve o corte do fornecimento de gás por parte da Rússia, o que exigiu um esforço gigantesco por parte da Europa para conseguir suprir suas necessidades energéticas, gerando mais emissões.



Referências bibliográficas


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